Parte 1: Lembranças
Kiyone Makibi, filha de uma das famílias mais ricas e influentes do Japão, mostrava-se um tanto aborrecida depois da última conversa com seus pais. Tinham lhe dado uma notícia que não parecia em nada do seu agrado.
"Ai, ai, ai. Tem vezes que preferia ser de família mais pobre." Ela exclamava suspirante enquanto se apoiava na janela. Nisso que escutou o bater da porta.
"Sim?" "Oi. Sou eu, a Mihoshi." "Ah, Miyoshi. Entre, sim?" E a jovem acompanhante de Kiyone entrou com uma bandeja na mão.
"Pensei que poderia querem um doce, senhorita Kiyone."
"Ah. É tão amável de sua parte, Mihoshi," Ela disse com um sorriso. "mas já lhe disse que quando estivermos só nós, pode me chamar só de Kiyone."
"Eu sei, mas o chefe dos mordomos estava aqui no corredor e sabe como..."
"É, entendo. De todo modo, fico feliz que tenha vindo. Sentia falta de um rosto amigável." Mihoshi notou o tom triste na voz dela.
"Kiyone, tá tudo bem? Quer conversar?" A jovem de cabelo verde escuro se virou e sentou na cama.
"Sabe, querida." Ela apoiou as mãos no queixo. "Meus pais disseram que agora que vou completar 21 anos, está mais do que na hora de pensar em me casar."
"E é tão ruim assim?" "Sobre casar, não, mas insistem de que deveria escolher o filho de um dos amigos deles, que em geral são um bando de metidos e cabeças-de-vento. Lembra de como era chato os receber nas festas aqui?"
Mihoshi sentou-se ao lado dela. "Lembro sim. Agiam como se fossem donos de tudo e sem respeito pelos outros. Uma vez tentaram me fazer de tiro-ao-alvo para atirar bolinhos. Se não fosse você estar lá..."
Flashback
"Ei, gente, Vamos pegar aquela criadinha pra alvo. Ganha quem acertar na cara dela." E me pegaram pelos braços.
"Por favor, não. Esta festa é da Kiyone. Sem bagunça."
"Ora, ora. A bonitinha aí pensa que pode mandar na gente. Sou eu que jogo primeiro." Foi nessa hora que você veio e me puxou pra trás.
"Ei, seus cabeças-ocas. Deixem ela em paz."
"Vejam só. A defensora das classes mais baixas chegou. Pra que proteger essa bobinha, hein? Ela é só uma criada de nada."
"Criada ou não, ela é uma pessoa, Oscar, e não ouve desrespeitá-la, ou vai perder os dentes."
"E o que ela é? Sua melhor amiga?" O garoto riu da própria pergunta.
"Pois fica sabendo que..." Kiyone foi interrompida por Mihoshi. "Senhorita. Não vamos estragar sua festa. Deixa pra lá." E atendendo o apelo da menina, a garota deu de costas e voltou pra mesa da festa.
Fim do flashback
"Lembro, sim. Eu queria ter dito a verdade para aqueles esnobes de que você era minha melhor amiga." Kiyone falou com o punho fechado.
"Não valeria a pena, e depois, era importante que mantivesse sua imagem perante todos, por respeito aos seus pais."
Kiyone não falou nada perante o argumento da garota de pele morena. Mesmo quando ela causava um desastre ou outro e tinha vezes que a tirava do sério, ainda assim estava feliz dela sempre se manter ao seu lado. Quando algo a aborrecia, lá estava Mihoshi pra lhe devolver seu bom humor. E se queria chorar e não podia contar com os pais, a jovem lhe dava o ombro pra desabafar tudo que quisesse.
"Mihoshi. Tanto que fez por mim e ainda faz. Sou sortuda por tê-la comigo." "Eu sempre estarei com você, assim como fez tanto por mim. Várias vezes que causei um acidente como quebrar vasos ou porcelanas caras e você alegava ter sido sua culpa, mesmo levando broncas ou sendo castigada, só pra eu não ser mandada embora."
"Não ia suportar te perder. É a minha melhor e mais sincera amiga desde que éramos pequenas. Nunca me preocupei em ficar só desde que você estivesse comigo, mas agora..." A garota se jogou na cama. "Puff. Ter que me casar. Papai e mamãe disseram que tenho até meu aniversário pra escolher alguém ou do contrário...eles vão escolher."
"Mas, Kiyone. Não tem alguma pessoa de que goste o bastante pra querer se juntar em união?" Kiyone mostrou-se pensativa. Logo veio-lhe um pensamento.
"Na real, tem uma pessoa de que gosto muito, porém..." Ele interrompeu por um instante, olhando pra jovem criada. "Mihoshi?" "Sim?" "Me conta...como nos conhecemos." "Mas, Kiyone. Você já não conhece essa história?" "Sim, é verdade, mas queria ouvir de você, se não a aborrecer." "Tá bem. Se isso a afastar do seu pranto, tudo bem."
Flashback
"Eu vivia num orfanato. Meus pais morreram e fui colocada pra morar lá. Tinha uns 5 anos, eu acho. A vida lá não era ruim, exceto pras crianças que me provocavam por eu ser desajeitada e diziam que nunca ia ter uma família por ser uma tonta. Felizmente a senhorita Kikyo, a diretora do orfanato, vinha a meu favor e mandava deixar-me em paz. Ela era tão gentil, quase uma mãe para mim."
"Numa noite, eu estava sozinha no meu quarto porque minha colega anterior tinha sido adotada. Senti um cheiro de fumaça e vi fogo por trás da porta. Havia começado um incêndio no orfanato. Só pude sair pela janela e dou graças por haver escada de incêndio. Desci até a rua e fiquei longe enquanto vi o prédio ser consumido pelo fogo inteiramente."
"Felizmente todos puderam sair vivos e bem. Ia me juntar a eles, mas começaram uma discussão de que eu tinha causado o fogo, mesmo sabendo que não tinha sido. A diretora mandou eles pararem, mas eles não pararam. Não ia querer encará-los de jeito nenhum e então, fugi. Fugi pra bem longe, desaparecendo na noite."
"Vaguei meses pelas ruas, tendo dias sem ter um teto ou comida. Me virava para viver como podia, exceto roubar."
"Numa manhã, comia um lanche descartado de uma lanchonete quando vi um senhor muito elegante com uma pressa danada, mas com tanta que deixou cair algo do bolso. Fui ver e era a carteira dele. Quis devolver, mas ele entrou num carro grande e partiu às pressas. Sem perder tempo, entrei num taxi e pedi pra seguir o carro."
"Não foi uma viagem muito longa e quando o carro parou, fui ao encontro dele e lhe passei a carteira com tudo dentro. Ele ficou impressionado com minha honestidade. 'Posso ser pobre, mas não é por isso que devo ser ladra.', eu respondi. Ele pagou o taxi e me convidou pra um almoço. Foi a melhor refeição que tive, até mais gostosa do que as do orfanato. Conversamos muito e disse que não tinha família ou pra onde ir. Foi quando ele perguntou se eu gostaria de ter uma casa pra morar. Daí...bem, você sabe como foi, não?"
"Sei, sim. Estava no jardim, entediada e um tanto melancólica. Não tinha com quem brincar da minha idade e os criados sempre estavam ocupados. Mamãe tinha saído pra viajar e o papai, numa reunião de negócios. Sei que podia chamar algum dos filhos dos amigos deles, mas não me sentia à vontade com eles. Foi quando papai chegou, acompanhado...de você."
"Exato. Ele contou que você era muito solitária e me trouxe pra te fazer companhia. Ele contou o quão ficou impressionada com minha honestidade e pensou que seria boa para você."
"E foi de fato. Claro, um tanto desastrada e destrambelhada, muitas vezes me deixando louca, mas por outro lado, sabia como me divertir e me amparar quando eu ficava triste. Foi a primeira amiga de verdade que tive, não me importando em nada com sua falta de jeito, pois ao menos era honesta e sincera consigo mesma."
"E você sempre me respeitou e me defendeu, nunca me vendo só como uma criada. Até seus pais me tratavam como da casa. Tantas vezes que levou bronca devido à um descuido meu, apenas porque não queria que eu fosse expulsa daqui. Nunca fui mais feliz. E quando comemoramos nosso primeiro aniversário?"
"Sim. Foi um ano depois de nos conhecermos. Estávamos brincando de casinha quando perguntei que dia era seu aniversário e me falou que não lembrava, só que sua idade era de 5 anos, igual à minha. Tive tanta pena."
"Você ficou com um carinha tão cabisbaixa. De repente, lhe veio uma ideia: já que foi no seu aniversário que nos conhecemos, propôs que fosse essa dia o meu aniversário. Quis fazer até um bolo para mim, e estava muito gostoso.
"E o melhor veio depois. Papai e mamãe tiraram uma folga no meu aniversário de 6 anos e disseram que podíamos ir onde eu quisesse, e falei que queria ir no parque de diversões, mas só se pudesse te levar junto, pois era seu aniversário também."
"Foi o dia mais divertido da minha vida. O carrossel, a montanha-russa, os bate-bates, os jogos. Lembro de quando jogamos nas argolas e ganhei um sapinho de pelúcia, o qual lhe dei como seu presente. Daí, você jogou no tiro de água no palhaço e ganhou um grande panda de pelúcia...e o deu pra mim. Claro que fiquei meio sem graça, mas como você insistiu, eu aceitei. Foi o presente mais maravilhoso que ganhei, e sentia-me um pouco aborrecida por só te dar um sapinho."
"Mas foi de coração que me deu, e o sentimento é o que conta. Depois do parque, fomos a um restaurante comemorar com bolo e sorvete. Juro que nunca vi alguém gostar tanto de comer doces, mas só de ver o quanto estava alegre, meu coração se enchia de alegria. Papai e mamãe sentiam o quanto você parecia feliz. Até lhe deram um bonito vestido de presente."
Fim do flashback
"E esse vestido eu guardo até hoje, mesmo não cabendo mais em mim. Entretanto, o panda que você me deu do jogo foi o mais importante e querido presente da minha vida. Uma lembrança de como eu era abençoada de ter uma amiga tão maravilhosa."
Kiyone sorriu ternamente para a garota loira de pele bronzeada e se levantou, tirando de baixo da cama um baú e o colocando ao lado de Mihoshi, abrindo-o. Nele, havia muitas coisas como cartões, fotos de ambas as meninas e um sapinho de pelúcia que Mihoshi reconhecia.
"Puxa. Você o guardou. Não dá pra acreditar. E tudo isso..." "São os meus tesouros mais preciosos, Mihoshi. Cada lembrança que fiz com você eu guardei com todo carinho. É que se faz por alguém que se gosta de todo coração."
"D-de todo coração?" Mihoshi se surpreendeu com o que ouvira. Kiyone veio pra perto dela e lhe tomou a mão.
"Mihoshi. Me perguntou se tinha alguém que eu gostasse de verdade. Falava de alguém com quem eu gostaria de casar e viver junto para sempre? Bem, existe, sim."
"Mesmo? E quem...?" Kiyone a abraçou tão depressa que mal teve o que dizer. "É você, Mihoshi. Eu te amo...de coração, corpo e alma. Principalmente de coração."
A jovem de cabelo esverdeado ficou com os braços ao redor da moça à sua frente, que retribuiu tal gesto igualmente. As duas tinham lágrimas escorrendo, mas com forte alegria e felicidade.
"Kiyone. Você me ama?" "S-sim, Mihoshi. Nesses anos todos, a afeição que nutri por você foi aumentando de tal maneira, que te via mais que uma amiga ou até mais que uma irmã. Várias vezes pedi aos meus pais que te adotassem, porque queria que fosse parte da família, mas diziam que tinha uma razão pra não fazê-lo e que eu descobriria ela. Agora vejo qual é. Mas e você, Mihoshi? Sente o mesmo por mim?"
Era um pensamento que pegara a loira bronzeada. Não imaginava que a amiga com a qual cresceu tinha um forte sentimento, o qual ela acreditava ser apenas com ela. E olhando bem pra Kiyone, notou o quanto ela era bonita...e extremamente atraente. Seu coração batia como nunca.
"Minha querida. Eu também te amo. Confesso que nunca me encantara com alguém antes, quanto mais por uma mulher. Mas seja você, homem ou mulher, é também a pessoa por quem mais me encantei e tudo que quero é ficar junto de você. Então...posso te beijar?"
A resposta veio num único gesto: um beijo apaixonado como nunca as duas belas moças tinham recebido, nem mesmo uma da outra. Era um momento de amor e carinho como jamais haviam sentido. Seguiram com o beijo até quererem mais e aos poucos, foram tirando suas roupas, se entregando ao prazer e ao amor.
"Eu te amo, Kiyone. Sempre te amei."
"E eu amo você também, meu doce. Quero você comigo...para sempre."
E continuaram com os beijos e as emoções recém-floridas, nenhuma delas querendo parar por nada, pois não tinham motivo pra fazê-lo.
Continua...
Outra bonita história de amor entre as minhas policiais favoritas(ainda que aqui elas não sejam, como outro conto alternativo), ambas que se completam como o conceito de yin e yang, ou seja, duas partes opostas que formam um todo.
Era pra ser uma história de uma página, mas devido ao tamanho que ficaria, achei mais fácil dividi-la.