Saint Seiya, obviamente não me pertence.

"But, you see it's not me

It's not my family

In your head, in your head

They are fighting

With their tanks and their bombs

And their bombs and their guns

In your head in your head

they are crying

In your head

In your head

Zombie, zombie, zombie

What's in your head? In your head

Zombie, zombie, zombie"

Zombie – The Cranberries.


Capítulo 1 – Encontro predestinado.

Monte Olimpo.

Os raios de sol iluminavam o aposento da deusa Athena deixando-o mais acolhedor. Ela sabia que sentiria falta do seu lar, mas sua presença era necessária no mundo humano. Há cada 200 anos, ela tinha que reencarnar na forma humana para continuar perpetuando a paz na terra –apesar de estar ligeiramente cansada desse ciclo vicioso que se tornou a sua vida.

Ela já havia reencarnado no corpo de uma humana para poder salvar a terra do deus do submundo. E agora, nos dias atuais, não seria diferente. A história sempre se repete. Ela só queria poder tornar as coisas um pouco diferentes e melhores para os seus cavaleiros. Perdê-los na última guerra Santa havia sido um trauma muito grande. Quando desencarnou e voltou à sua forma divina, se sentiu amargurada e triste pelas mortes de seus amigos e amados cavaleiros.

Athena sabia que não seria diferente agora. Ela estava prestes a renascer e, em consequência disso, as pessoas que ela passaria a amar morreriam por ela. Para salvá-la e assim salvar a terra da escuridão. Dessa vez, ela estava decidida a mudar o destino e acabar de uma vez por todas com esse ciclo. Se no final alguém tivesse que se sacrificar, que fosse ela e não os seus amados cavaleiros.

"Senhorita", chamou uma bela jovem de longos cabelos castanhos. Ela segurava uma jarra grande de prata em suas mãos. "Seu banho já está pronto. Precisa de algo mais?"

"Não, Layla. Obrigada. Você já pode se retirar". Athena observou a mulher ir embora e torná-la a deixar sozinha com os seus pensamentos. Observou a água se tornar colorida conforme adicionava sais de banho. Seu reflexo era igual aos dos outros deuses. Sua luz brilhava intensamente misturando-se com o seu cosmo. Era de um dourado quase como a luz do sol. Seus olhos da mesma cor estavam tristes e vazios. Ela sabia que, se não fizesse algo, tudo iria se repetir e ela não queria ter que passar por dor e sofrimento de novo.

"Preciso fazer alguma coisa". Disse baixinho para si mesma. "Preciso acabar com Hades o mais rápido possível". Athena entrou na banheira, sentindo a sua pele formigar ao entrar em contato com a água quente. Seus músculos estavam tensos e doloridos. Faltavam apenas 2 anos para renascer, e precisava de uma solução urgente.

Layla nunca tinha visto a deusa Athena daquele jeito. Não desde a sua última encarnação. "A senhora está diferente. Talvez ela não esteja aguentando mais esse fardo". Não queria se meter nos problemas de sua senhora, não tinha autorização para isso. Era apenas uma serva. "Ela é uma deusa. Eu não sou ninguém". E com isso seguiu para os seus aposentos. Os mesmos não eram muito longe. Ela tinha que ficar perto da sua deusa para sempre servi-la. Afinal de contas, os deuses não tinham um temperamento muito bom.


"Você tem certeza, Ares?" Layla parou imediatamente. Ela sabia que Afrodite estava no quarto do senhor Ares. Eles viviam se pegando pelas costas de Hefesto. Sentiu seu coração parar de bater. Os dois estavam em frente à porta do deus da guerra, conversando. Ela se encolheu atrás de um pilar de mármore. Não queria ser vista por eles. "Tem certeza que vai fazer isso?" Perguntou a deusa do amor. Seus longos cabelos loiros desciam em cascatas pelas costas em ondas. Era brilhoso como a sua pele dourada.

"Sim". A voz do deus da guerra era forte como os trovões de Zeus. "Minha irmã se acha superior a qualquer um de nós. Ela sempre está se gabando da sua inteligência, então não há nada mais justo do que lhe causar um pouco de dor", falou rispidamente. Layla sempre teve um certo nojo de Ares. Ele sempre pareceu mimado aos olhos dela. Sempre estourando com qualquer outro deus menor por qualquer coisa. Ela passava bem longe dele, pois sua áurea sanguinolenta era bastante desprezível.

"Vai acabar com a vida do cavaleiro dela só para vê-la cair?" Afrodite parecia incrédula. "Tem certeza? Você sabe que mexer com essas coisas pode desencadear problemas no futuro, no nosso futuro", Afrodite disse severamente. Layla pode ver uma centelha de medo em sua voz. "E se ela descobrir?"

"Será tarde demais e não poderá fazer nada a respeito disso". Ares estava certo de que seus planos funcionariam. Layla sabia que ele podia ser calculista e asqueroso quando quisesse. Ele nunca a enganou. "Daqui há dois anos ela vai voltar ao mundo dos humanos e ser a apenas um bebê. Não poderá fazer nada".

"Às vezes você me dá medo, Ares." Afrodite jogou seus braços ao redor do pescoço do deus. Layla sabia que essa era a sua chance de sair dali sem ser notada por eles. Seus pés a levaram de volta ao quarto da deusa Athena sem ela se dar conta. Ela não queria contar à deusa o que tinha escutado, pois não queria se meter nos assuntos dos deuses. Mas estava atordoada com isso tudo. Não gostava de Ares e a deusa Athena era boa com ela.

"Pelos deuses". Layla sentia seu coração bater acelerado. "Não posso deixar a deusa sem saber o que a espera no mundo dos humanos. Tenho que fazer alguma coisa".

"Fazer o que Layla?" Athena estava parada ao lado de um grande espelho, penteando seus longos cabelos escuros. "Pensei que já estivesse dormindo". A deusa virou para encará-la. "Porque está tão aflita?"

"Minha senhora". Layla fez uma leve reverência e se aproximou da deusa. Não queria ter que falar muito alto. "A senhora sabe que não sou de fazer fofoca, mas não posso deixar a senhora voltar para terra sem saber o que a espera".

Athena sentiu um calafrio percorrer o seu corpo. Ela estava ansiosa e nervosa sobre a sua volta ao mundo dos humanos o dia todo. Sabia que as coisas seriam difíceis e queria mudar isso, mas, ao escutar aquelas palavras de sua serva, ficou aterrorizada. "O que você escutou?" Exigiu saber.

"Ares e Afrodite, senhora". Layla estava nervosa. Se os deuses descobrirem que ela havia escutado a conversa e avisado a deusa Athena, ela estaria acabada.

"O que tem eles?" Athena sabia que Ares e Afrodite tinham um caso de amor às escondidas e sabia que o seu irmão era um deus ardiloso e sem escrúpulos como Hades. "O que você escutou, Layla?"

"Eu tenho medo que eles saibam que eu lhe contei isso". Ela se aproximou ainda mais da deusa. Podia até sentir o odor de rosas e lavanda vindo da pele dela. "Eles planejam alguma coisa ruim contra os seus cavaleiros. Ares disse que, mesmo que você soubesse de algo, não poderia fazer nada, pois vai reencarnar daqui há dois anos e não há nada que possa fazer".

"Ele não disse o quê, Layla?" Athena estava aflita. Perder seus cavaleiros antes do tempo seria um desastre para a guerra Santa.

"Ele usou o termo "'Acabar com a vida…'". Layla repetiu as palavras do deus. Se ela não soubesse que a deusa Athena era tão forte como qualquer outro deus maior, ela poderia ter certeza que a deusa ia cair dura aos seus pés. A sua pele de cor dourada, como habitual, estava pálida, quase translúcida. Layla sabia que a deusa estava apavorada. "O que a senhora pretende fazer?" Perguntou.

"Vou fazer algo inusitado, Layla". Athena estava trêmula. Queria cair em sua cadeira e chorar, mas não podia mostrar fraqueza. Ela era a deusa da inteligência. Ela sabia muito bem o que fazer; só estava lhe faltando a coragem, mas agora ela mostraria a Ares com quem ele estava brincando e resolveria todos os seus problemas de um jeito ou de outro.


Brasil – Rio de Janeiro.

O sol estava muito quente e, se não fosse pelo ar-condicionado central da biblioteca, Mirela estaria ensopada de suor. Seus cabelos estavam amarrados em um rabo de cavalo mal feito e alguns fios teimosos escorriam pelo laço vermelho que os prendia. "Sério, eu só queria que o verão acabasse logo". Disse irritada. Ela segurava um mangá em mãos. Amava Itazura no Kiss e estava lendo-o pela terceira vez naquele mês.

Seu chefe não se importava por ela pegar alguns livros ou mangás para ler na hora do seu trabalho, contanto que ela desse conta de tudo no fim do expediente. Estava até cogitando em ir à sorveteria do outro lado da rua para se refrescar um pouco mais, mas sabia que isso seria abuso da sua parte. Dali há poucas horas, ela estaria livre para ir embora e, se a sorveteria estivesse aberta (O que, com certeza, estaria por causa desse calor absurdo), ela compraria um picolé de morango.

Escutou o sino da porta e viu uma linda jovem entrar. Mirela até pensou em lhe oferecer ajuda, mas, pelo semblante da jovem, ela percebeu que a mesma sabia o que estava procurando. Não levou mais de meia hora e a mulher voltou com vários mangás em seus braços. "Deixe-me ajudá-la, senhorita". Mirela saiu de trás do balcão e se apressou até o lado da bela mulher. Ela pegou alguns mangás e sorriu ao colocá-los em cima do balcão. "Eu amo CDZ". Mirela deixou escapar.

"Ama?!" A mulher lhe dirigiu um olhar, intrigada. "O que você mais gosta?" Perguntou, curiosa.

"Dos cavaleiros de ouro, é claro!" Mirela pegou o exemplar da Saga das Doze Casas e da saga de Hades. Era muita coisa para se ler em apenas 3 dias. "Você vai levar todos?" Perguntou ainda olhando para a Saga de Hades em suas mãos.

"Sim". A mulher não pode deixar de observar o gesto de afeto da jovem ao segurar o pequeno livro. "Você conhece essa história?"

"Sim. Conheço. Não gosto muito do final". Ela encarou a mulher. "Você não se incomoda com spoiller, né?" Mirela perguntou ingenuamente. É claro que a mulher se importaria, ela se importaria.

"Não. Eu já li há muito tempo". Tranquilizou-a. "Eu só queria reler. Não tem problema você me contar o que achou da história".

"Ah, que bom!" Mirela ficou um pouco animada em conversar com alguém sobre Cavaleiros do Zodíaco. Há muito tempo que não falava sobre esse mangá. "Não gosto da Saga de Hades porque todos eles morrem. No caso, só os de ouro. Aquela cena do muro das lamentações é muito triste".

A jovem também não gostava disso. Todos morreriam. Todos eles. Da última vez, pelo menos Shion e Dohko sobreviveram, mas agora todos morreriam. Seu coração não ia aguentar tamanha tristeza. "E quanto a essa saga?" Perguntou se referindo às Doze Casas.

"Essa é a pior para mim". Mirela disse tristemente. "Não entendo até hoje esse problema do Saga. Não sei o que o autor queria ao colocá-lo como vilão. Cara, ele tenta matar a deusa Athena bebê e acaba matando o Aioros".

Athena segurou a respiração. Aquilo não podia ser real. Ela não sabia que isso poderia acontecer. Não, aquilo estava errado. Seus cavaleiros não podiam lutar entre si. Ela reencarnaria para se preparar para lutar contra Hades e não para quase ser morta por um dos seus dourados. "O que você faria se estivesse lá?" Perguntou tentando conter o desespero que assolava seu coração.

"Lá no santuário?" Mirela perguntou incrédula.

"Sim". Athena estava aflita. Ela precisava de ajuda. "Digo, se você pudesse fazer algo, o que faria para mudar essa história?"

"Não sei". Mirela pensou um pouco sobre o assunto. "Bom, talvez salvar o Saga e aí os acontecimentos sobre Aioros morrer não aconteceriam; e aí essa Saga das Doze Casas não existiria. Eu definitivamente não sei. Eu fico pensando que se fosse possível modificar alguma coisa, será que não mudaria o final da história? Afinal, tudo acontece por algum motivo, não é?" Mirela ficou pensativa. De fato, dava para fazer muitas coisas. Aquilo com certeza lhe dava ideias de fanfics.

Athena também pensou nessa hipótese. É claro que ela não queria mudar as coisas de tal forma que a sua vitória na Guerra Santa fosse prejudicada, mas ela não podia deixar os seus cavaleiros morrerem. Então, um pensamento lhe passou pela mente. Ninguém tinha o poder de mudar a história por completo. Nem mesmo ela, como deusa. O destino era como uma grande árvore: o vento pode até derrubar algumas folhas, mas a sua estrutura permanece em pé. E era isso que ela queria, derrubar algumas folhas dessa árvore do destino. Ela já tinha lido alguns mangás e histórias criadas por fãs, algumas delas eram bem assertivas, já outras passavam bem longe, mas até mesmo em outros mundos, o final era parecido com o daquele lugar: os cavaleiros de ouro morriam na guerra Santa. A diferença é que ela só tinha encontrado tais argumentos contra Saga ali, naquele mundo.

"Bom, espero que você goste da leitura". Mirela começou a colocar os mangás dentro de uma sacola. "São quarenta reais e você deve entregá-los daqui a 3 dias. Passando dessa data, serão cobrados multa e juros." Ela lhe entregou as sacolas, contente.

"Obrigada". Mirela a escutou dizer antes de sumir por detrás da porta de vidro e se perdendo no meio da multidão do Rio de Janeiro. Definitivamente ela releria a Saga das Doze Casas quando tivesse tempo.


Monte Olimpo.

Sentia-se cansada da viagem. Ir para outros mundos havia lhe drenado bastante energia. Athena já tinha bolado um plano, só não sabia como o desenrolar das coisas aconteceria sem ela ali para ajudar. Ela não se lembraria de nada e, até ter noção do que estava acontecendo, levaria no mínimo uns quinze anos, quando alcançaria a idade adulta.

Ela queria poder contar com a autorização de seu pai, mas não arriscaria dizer nada do que havia planejado a ninguém. Qualquer passo em falso poderia acabar com os seus planos. Se Ares podia se intrometer no destino da terra e de seus cavaleiros, ela também poderia ajudá-los. Diferentemente de como muitos autores a retratavam em seus contos, de que ela era frágil por ser do sexo oposto, Athena mostraria a todos do que ela era capaz e que, mesmo tendo os seus cavaleiros para lhe defender, ela também podia se defender sozinha e ajudá-los.

"Vamos ver quem vai rir por último, Ares". Athena segurava forte o seu pingente. Ela o havia impregnado com seu cosmos. "Eu só espero ter tomado a decisão certa".


Rio de Janeiro.

Depois de dois longos meses, finalmente férias. Tudo o que Mirela queria na vida era poder descansar em sua cama e relaxar. Ela estava com viagem marcada para a serra. Curtir um pouquinho o frio, afinal, ela também era filha de Deus. Tinha comprado um pacote de final de semana em um hotel na Serra de Friburgo. Tomar um banho nas lindas águas geladas das cachoeiras e tomar chocolate quente para aliviar o stress.

Sua mala já estava pronta e seu irmão a aguardava no carro. Mirela tinha três irmãos: dois mais velhos e um mais novo. Sua família era bastante unida e feliz. Mike e Miguel já estavam no último ano de medicina. Sim, eles eram gêmeos. Já Martim estava começando a faculdade de relações internacionais. E ela era apenas uma menina sem saber o que fazer da vida. Trabalhar meio período na biblioteca era a única coisa que ela sabia fazer.

Não tinha muitas aptidões. Na realidade, não tinha aptidão para nada. Era magra demais para os padrões de beleza – isso ela sabia, pois seus irmãos viviam chamando-a de magrela. Não tinha muito peito e não tinha bunda. No final, ela não tinha atrativos nenhum. Talvez a cor dos olhos, que eram castanhos esverdeados, mas, fora isso, nada. Seus cabelos eram castanhos ondulados até a cintura; ela estava tentando deixá-los crescer bastante para cortá-los e doá-los a uma instituição de caridade. Quem sabe os cabelos dela não seriam a alegria de outra mulher ou menina?

Escutou a buzina e começou a se apressar. Miguel não gostava de ficar esperando por ela e ele só estava levando-a porque a sua mãe havia pedido – senão ele não o faria. Tinha muitas coisas para estudar e não podia perder tempo levando a irmã à uma pousada. Era praticamente um insulto aos seus esforços: enquanto ele e os outros estudavam, ela se divertia.

"Vamos logo!" Ele gritou enquanto batia os dedos no painel do carro. "Vou deixar você aí". Miguel ligou o carro e ficou buzinando até que Mirela apareceu na porta de casa, dando um último beijo no rosto de sua mãe. "Meu Deus! Até parece que não vai mais voltar!"

"Não é porque você não tem sentimentos que eu tenho que ser igual a você". Mirela falou ao entrar no carro e ao afivelar o cinto de segurança. "Eu sei que você não queria me levar, mas não precisa ficar com essa cara amarrada o tempo inteiro". Bufou. "Seus livros não vão a lugar nenhum. Estarão aqui te esperando".

"Você só diz isso porque não tem responsabilidade alguma". Ele engatou a segunda marcha e seguiu caminho por dentro do condomínio. Passou para a terceira e virou a esquina à direita e, mais à frente, à esquerda, voltando para a segunda marcha e dando um leve aceno ao porteiro. "Quando voltar de férias, vê se arruma algo para fazer".

"Olha, eu trabalho". Falou indignada. "Só porque ainda não escolhi um curso, não quer dizer que eu não queira estudar ou não esteja fazendo nada. Você ultimamente tem estado muito arrogante". Mirela sentiu seu corpo ir de encontro à porta. Seu irmão havia feito uma curva fechada rápido demais. "Sério que tu vais dirigir desse jeito?"

"Depende de como você me tratar". Disse rispidamente. "Não sou seu UBER particular e se tem dinheiro para curtir, podia ter pedido um UBER". Ele ligou o som a fim de encerrar qualquer tipo de conversa.

Mirela o olhou, incrédula. Sabia que Miguel não queria levá-la, mas tratá-la dessa forma estúpida só por causa de uma carona era ridículo. Queria muito pedir para ele parar na primeira esquina e sair do carro, mas não daria esse gostinho de vitória a ele. Era isso que ele queria e ela sabia disso. Ele a levaria até lá. Esse era o pedido de sua mãe e do seu pai, e ele que engolisse o próprio estresse.

Apesar da música alta demais para os ouvidos de Mirela, ela não se queixou. Era até bom, pois assim não tinha de escutar qualquer ruído que o seu irmão fizesse. Naquele momento, só de olhar para a cara dele, ela já ficava irritada. Depois de duas horas, eles finalmente chegaram na pousada. Miguel nem ao menos lhe ofereceu ajuda com a mala. Simplesmente esperou ela bater o porta-malas e saiu com o carro.

"Ridículo". Ela suspirou e foi de encontro ao saguão da pausada que, naquele momento, estava cheio. Ela olhou no relógio de pulso e eram exatamente 14 horas. "Deve ser o povo fazendo check-in." Ela entrou na fila, atrás de um casal jovem que não parava de se beijar, e ficou esperando a sua vez, evitando ao máximo olhar a língua dela entrar na boca dele. "Misericórdia", disse baixinho para si.

Ela não tinha namorado. Nunca havia namorado, para ser honesta. Já havia dado uns beijos. Ok. Uns beijinhos. Nada como isso. "Ai, que nojo!" Mirela pegou o celular e ficou vagando pela internet. Facebook aberto em seu feed de notícias. Tirou uma self e fez check-in na foto. "Final de semana no frio e na paz da Serra de Friburgo". Escreveu como legenda e publicou.

Não demorou muito e começaram a subir notificações de suas antigas amigas do colégio. "Está com quem?" Perguntou uma. "Não me diga que está aí sozinha?!" Perguntou outra em seguida. Mirela digitava e apagava. Não queria se rude, mas não queria ser boazinha. No final, resolveu não responder. "Se eu der confiança, piora". Suspirou.

Chegou a sua vez e, rapidamente, ela mostrou o voucher que imprimiu em casa antes de sair. A recepcionista digitou algumas coisas no computador e logo depois lhe entregou uma chave. "Segundo corredor a direita. Espero que aproveite o seu final de semana. Qualquer coisa é só ligar para o ramal que estará ao lado do telefone em seu quarto. A senha do Wifi está junto a ele".

"Obrigada". Mirela seguiu a direção que a mulher havia lhe dito e logo achou o seu quarto. Era o número 109. Ela passou o cartão chave no sensor e a porta, com um leve clique, se abriu. O interior era exatamente como ela havia visto nas fotos pelo Trivago.

O quarto era amplo, o chão de tábua de madeira corrida em uma cor clara, assim como as paredes, dando a impressão do quarto ser maior do que era. Uma linda parede de vidro lhe dava a visão da mata verde e fechada à sua frente. Havia uma cama king com vários travesseiros, um frigobar à esquerda da cama, uma televisão de plasma na parede da frente, e o telefone, que estava em um suporte fixo na parede, abaixo da TV. Um grande armário próximo à porta de saída e ao lado da porta do banheiro. Mirela entrou e ficou de boca aberta ao ver que uma das paredes do banheiro também era de vidro. Uma banheira com pés cromados estava bem na frente daquela linda visão verde.

"Meu Deus!" Mirela imediatamente ligou a torneira. Sentiu água quente em seus dedos. "Não vou sair desse banheiro". Ela deixou a banheira enchendo e voltou para quarto, onde colocou a mala em cima da cama e começou a procurar uma roupa mais quente para pôr. Estava frio em Friburgo em comparação ao Rio de Janeiro. Deixou sua roupa em cima da bancada do banheiro e pegou alguns sais de banho que haviam ali em cima. Na certa, as camareiras deixavam ali para os hóspedes. Despejou-os com cuidado na água morna e mexeu para dissolvê-los por completo. "Não vou querer outra vida depois desse final de semana".

Mirela entrou na água e deixou seu corpo relaxar. Mais tarde ligaria para casa para avisar que chegou e perguntar se Miguel já havia chegado. Sentiu os nós de seus músculos se dissolverem por completo. Não havia nada melhor na vida do que um banho quentinho. A não ser uma cama macia quando se está com sono. "Depois daqui vou ver se ainda tem alguma programação em aberto pela pousada. Já são 16 horas". Mirela mergulhou e começou a lavar os cabelos. Depois de longos dez minutos lavando a cabeça, ela saiu da banheira e se enrolou em uma toalha fornecida pela pousada.

"Estou com fome". Mirela abriu o frigobar e encontrou alguns refrigerantes, doces e Danone. "Um Danone não vai acabar com a minha fome, mas vai sossegar meu estômago até a hora do jantar". Deixou a toalha em cima da cama e, enquanto se vestia, tomava uns goles de Danone. Penteou os cabelos com certa dificuldade. Era muito cabelo, e, por ser longo, dava nós com facilidade. "Quando vocês não estão rebeldes, eu gosto, mas hoje tá difícil".

Resolveu fazer uma trança embutida. Assim, os cabelos não caíam no seu rosto e também disfarçava os fios rebeldes que ela não conseguiu desembolar. "Pronto". Colocou suas botas pretas favoritas, que ficavam muito bem com a legging preta e o blazer vermelho. "Parece até que sou gente com essas roupas. Frio deixa a gente mais chique".

Estendeu a toalha no banheiro e, depois de fazer uma maquiagem bem simples, pegou o cartão chave e foi explorar a pousada até a hora do jantar. Quem sabe não havia alguma programação ainda para ser feita? Andou até chegar à recepção, que não estava mais cheia como antes. Alguns hóspedes bebiam seus drinques próximos a uma lareira enorme, bem rústica, no meio do salão. Não foi surpresa alguma quando seus olhos se depararam com o casal beijoqueiro à sua frente. "Nossa! Esse fôlego não acaba nunca?!"

Desviou sua atenção para o resto dos hóspedes. Todo mundo estava acompanhado, menos ela. "Não tem problema. Não preciso de ninguém para me divertir". Mirela nunca se sentiu tão sozinha. É claro que ela queria ter alguém para chamar de namorado e a levá-la nesses lugares para comer e curtir um friozinho, mas, naquele momento, ela não tinha ninguém. Talvez ainda não fosse a sua hora. "Se é que vai existir a minha hora".

Andou pelos corredores da pousada e descobriu uma academia, uma piscina com água quente, teatro e cinema. Todos eles estavam funcionando. Pensou até em assistir ao filme, mas desanimou quando viu que estava passando Titanic. Ela não queria ficar rodeada de mais casais apaixonados. Talvez voltar para o quarto e esperar a hora da janta fosse a melhor opção.

Pegou o cartão chave e, antes de virar a esquina que levava ao corredor do seu quarto, esbarrou em uma jovem de cabelos castanhos que esvoaçavam com o vento gélido que vinha da Serra. "Desculpe, minha senhora". A mulher disse se levantando rapidamente e ajudando Mirela a ficar de pé. "Está tudo bem, não tem problema. Você se machucou?" Mirela sentia um pouco o pulso, mas não era nada demais. Na certa, era só uma dor muscular.

"Eu estou bem, senhora". A jovem sorriu timidamente. "Desculpe por te atropelar desse jeito. Eu estava indo assistir a um filme e, com a pressa, acabei correndo e trombei na senhora". A mulher se ajeitou e sorriu para Mirela.

"Tudo bem". Mirela retribuiu o sorriso. Nem sabia o porquê, mas o sorriso da estranha era tão caloroso que sorriu de volta. "É melhor você ir logo. O filme já começou. Eu acabei de vir daquele lado".

"Oh!" Ela lhe lançou mais um olhar de agradecimento e voltou a correr pelos corredores da pousada. "Dessa forma você vai esbarrar em alguém de novo". Mirela se pegou dizendo para o nada, já que a menina havia sumido. "Melhor eu ir pra o quarto e colocar um pouco de gelo no pulso".

Passou o cartão chave na porta e entrou. Foi direto no frigobar pegar algumas pedras de gelo. Colocou na toalha de rosto e amarrou no pulso esquerdo. "Tomara que não seja nada demais. Eu disse que não tinha me machucado, mas definitivamente eu estou sentindo dor no pulso. Será que eles têm algum tipo de enfermaria por aqui?" Mirela olhou para o pulso dolorido. "Um remédio para dor já bastaria".

Ela deitou na cama e ficou encarando o teto. Seus olhos começaram a se fechar lentamente. Mirela não sabia que estava tão cansada assim. Ela até tentou lutar contra o sono, mas foi vencida facilmente. Seu corpo entorpecido começou a relaxar, e a última coisa de que se lembraria seria a luz do quarto sumindo, aos poucos, por detrás de suas pálpebras.


Santuário.

O sol brilhava no céu imponente. Seus reflexos acariciavam o rosto de Mirela com ternura. Ela se virou e sentiu a aspereza de algo estranho e molhado em suas mãos e rosto. Seus olhos se abriram lentamente para se acostumarem com a claridade. O pulso latejava um pouco, mas nem se comparava a dor anterior. O gelo tinha surtido efeito. Ela pôde ver o horizonte de um azul límpido onde o céu e o mar se encontravam e se perdiam.

"Uall!" Ela sentou se na areia e ficou olhando as ondas quebrarem e o vento agradável abraçar o seu corpo. O cheiro do mar era inebriante e acolhedor. Viver no Rio de Janeiro tinha as suas vantagens. Ela amava o mar. Entretanto, ela não deveria estar ali. Foi então que a ficha caiu.

"Merda!" Deixou escapar ao mesmo tempo em que levantava rapidamente. "Onde eu estou?" Fez uma breve análise do lugar. Obviamente não era uma praia que conhecia. Podia ser qualquer praia do RJ, já que nem ela mesma conhecia todos os lugares paradisíacos que seu estado tinha. Mas algo no fundo do seu coração lhe dizia que ela não estava mais no Brasil. Além do mar e da grande faixa de areia, ela pode ver um paredão de rocha avermelhada do lado esquerdo e do lado direto – somente pedras e mais pedras.

"Puta merda!" O sol começava a incomodar. As roupas que estava usando não eram adequadas para o verão. Já tinha areia dentro das suas botas e pequenas gotas de suor começavam a brotar em seu rosto e escorrer até se perderem na gola do blazer vermelho. "Que saco!"

Mirela tirou as botas e as meias, colocando-as dentro do bolso esquerdo, onde seu cartão chave estava. Segurou firme as botas e voltou a andar. A areia não estava tão quente, e que ela agradeceu internamente por isto. Correu até chegar próximo do paredão. A subida era íngreme e bastante difícil, mas ela queria ter uma visão melhor de onde estava e o alto era a opção mais válida. A subida foi difícil, as rochas estavam quentes, o que fez Mirela colocar as botas de novo. Ao chegar no topo, ela pode contemplar a imensidão azul do mar atrás dela. A visão era linda demais, mas ela não podia perder tempo com isso. Olhou ao redor, ignorando a paisagem atrás de si, e notou um vilarejo mais a frente. Quase não se dava para ver as construções de tão longe. "Vai ser uma boa caminhada".

Mirela retirou o blazer e amarrou o mesmo na cintura. Ela estava apenas com uma camiseta fina e branca por baixo do blazer. Tirá-lo deixaria a sua pele exposta ao sol, mas o calor estava acabando com ela. Começou a caminhada e logo se arrependeu de ter tirado o blazer. Colocou o mesmo por cima da cabeça, tentando tampar os raios de sol. Depois de um longo tempo caminhando, chegou a entrada de um pequeno vilarejo.

As pessoas começaram a olhar para ela de relance. Obviamente era devido à sua roupa, já que os moradores daquele lugar tão humilde estavam vestindo simples roupas de tecido cru. Lembrava muito uma vila de pescadores, mas algo nas vestimentas deles era diferente. Usavam togas no estilo grego, e sandálias no estilo gladiador. Mirela começou a achar que estava em algum set de filmagem.

"Senhor". Ela se aproximou de um homem já na faixa de seus cinquenta anos. Ele tinha os cabelos grisalhos nas laterais e o rosto era enrugado devido aos longos anos de vida; e a pele estava manchada de sol. Ele a encarou, assim como todos naquele lugar.

"Em que posso ajudar, senhorita?" Perguntou de forma cautelosa. Apesar de seus olhos estarem em vigilância total, ela notou que ele parecia preocupado com ela.

"Desculpa te incomodar". Mirela olhou ao redor "Que lugar é esse?" Ela o encarou e, quando ele não disse nada, ela acrescentou. "Eu estava em uma pousada no Rio de Janeiro". Talvez dizer o nome do Rio a ajudasse. Todo mundo conhecia e gostaria de ir lá.

"Rio de …" Ele se embolou com as palavras.

"De janeiro. Rio. De. Janeiro". Ela repetiu com cuidado.

Ele voltou a encará-la com cara de quem não sabia do que ela estava falando. "Você está em Rodório". Ele disse. "Próximo ao santuário da deusa Athena".

Mirela franziu a testa e arqueou as sobrancelhas em sinal de descrença. "Como?"

Ele apontou para além do vilarejo, no alto uma grande construção de pedra cercada por escadarias e casas. Se ela tivesse contado, confirmaria as suas suspeitas de serem 12 ao todo. Seu coração batia violentamente em seu peito. Ela não queria acreditar no que estava diante de seus olhos.

"La é o templo de Athena". O homem disse mais uma vez.

"Athena está lá?" Mirela se ouviu perguntar. Seus olhos estavam fixos na estrutura à sua frente. Era enorme e muito elaborada. Estava suspensa no ar. Era algo impressionante de se ver. Ela podia ficar dias e dias olhando e não teria absorvido todos os detalhes daquele lugar.

"Não". Ele falou voltando a dar atenção ao que estava fazendo antes de ser interrompido pela estrangeira.

"Moço, eu não sou daqui. Eu não pertenço a esse lugar". Mirela estava começando a ficar desesperada. "Como eu faço para sair daqui?"

"Se você não é daqui, só pode ser do mundo de Poseidon". Ela escutou uma mulher dizer. "E se for, você não é bem-vinda aqui. Teremos que chamar os cavaleiros".

"Não!" Mirela encarou a mulher. "Eu não sou do mundo de Poseidon não. Nem gosto dele". Mentiu. Se não fosse a estrutura magnífica na sua frente, e o fato de estar em uma região oceânica, ia achar que era algum tipo de pegadinha feita pela pousada.

"De qualquer forma, temos que avisar aos cavaleiros de um forasteiro em Rodório". A mulher trinco os dentes ao encarar Mirela. Estava claro que ela sentia nojo de pessoas de fora e Mirela seria jogada aos leões se continuasse ali.

"Não, não precisa. Eu não sou uma ameaça para vocês. Eu estou apenas perdida. Só quero voltar para casa". Mirela queria acordar, porque aquilo só poderia ser algum tipo de pesadelo.

Os moradores começaram a fazer burburinho por causa dela e não era de se admirar que, em menos de dez minutos, já havia uma mulher vestida com uma armadura de prata na sua frente. Seus cabelos estavam soltos e eram loiros e lisos, repicados até a altura de seu ombro. Seu rosto estava escondido atrás de uma máscara e Mirela não sabia se respirava ou se admirava a mulher na sua frente.

"Quem é você?" A mulher perguntou de forma rude. Sua voz era fina, não combinava com seu corpo malhado e perfeito. Ela começou a caminhar até diminuir a distância entre as duas. "Você não é daqui". Concluiu a mulher o que já era óbvio para os olhos de todos. "Não parece ser desse mundo também".

"Isso!" Mirela quase gritou. "Eu não sou daqui. Eu simplesmente acordei aqui". Ela tentou chegar um pouco mais perto da mulher, num movimento estúpido. Ela se daria conta disso depois. Mirela sentiu uma força a puxando para o chão; era como se a gravidade ao seu redor tivesse triplicado. Sentiu seus joelhos indo de encontro ao chão. Ela com certeza sairia dali morta. Tinha certeza disso. Queria falar mais não conseguia, nada saia de sua boca. Ela só sentia a pressão em seu corpo aumentar.

"Vamos! Me diga quem é você e o que faz aqui no santuário?" Ela tornou a perguntar, agora se preparando para a batalha.

Mirela só conseguia mexer os olhos. Ela decidiu encarar a mulher que tiraria a sua vida, pois era a única coisa que podia fazer naquele momento. O cosmo dela era tão forte que ela, uma simples mortal, não tinha chance nem de piscar.

"Você está usando muita força". Um garoto parou ao lado da mulher. Ele devia ter a mesma idade que ela, uns dezenove anos. Era alto e seus cabelos eram dourados como a sua pele. Vestia apenas uma calça de algodão agarrada no corpo, exibindo muito bem os seus músculos torneados.

Imediatamente a pressão diminuiu ao redor de Mirela. Ela se escutou soluçar. Não sabia nem que estava chorando. Suas mãos se apoiaram não chão e ela finalmente pode controlar a sua respiração. Levantou-se com certa dificuldade, contudo não tirou os olhos de nenhum deles. Ela podia ser fraca, mas não ia demostrar ser covarde. Isso ela não era.

"Você pode fazer a gentileza de nos dizer o seu nome?" O jovem perguntou gentilmente. Seus olhos verdes escuros e penetrantes eram amigáveis e bondosos.

"Meu nome é Mirela. Mirela Francinelli". Seu pulso voltou a doer e seus joelhos estavam machucados. Ela não sabia se era muito ou pouco por causa da calça, mas ela estava até com medo de ver os estragos. "Eu estava no meu quarto em uma pousada, dormindo, e, quando acordei, bem, eu estava aqui. Quer dizer, aqui não, na praia". Ela se corrigiu apontando para a encosta de onde tinha vindo.

"Entendo". Ele a encarou. Pelo jeito que se vestia, ela realmente não era daquele mundo. Seus cabelos estavam uma bagunça e cheios de areia, o que confirmava a história da praia. Era muito magra para ser um cavaleiro de Poseidon ou de Hades, não possuía cosmos, era evidente. "Eu sou Aioros e essa é Shina".

Mirela prendeu a respiração. Ela só podia estar vendo coisas. Alguém a drogou, com certeza. Ela estava diante de Aioros e Shina. Seus lábios começaram a ressecar e pontos negros surgiram diante de seus olhos. "Droga… Não acredito que eu vou desmaiar." Pensou angustiada. "Oh Deus…" Foi a única coisa que conseguiu dizer antes de perder completamente a consciência.